domingo, 12 de setembro de 2010

(foto net sem crédito)





CALMA, ANA



Goteira
na escuridão da casa


pingo


sangue de virgem
no colchão

pingo

mas ninguém é virgem não
ninguém, Ana, ninguém
todo mundo já sangrou na vida
nascer é sangrar a mãe
viver é uma sangria

pingo

engraçado, Ana, a gente
simplesmente esquece
que tem isso dentro
esse caldo vivo
correndo

pingo

sangue, Ana, sangue
o mesmo sangue vermelho
que renasceu na cruz
e escreveu o Evangelho
condenou Jesus
depois caiu de joelhos

pingo

e alguém, Ana, agora
pingo
agora mesmo
despeja nos bueiros do mundo
o sangue do desespero

pingo

espreite
nos becos e encruzilhadas do tempo
a palavra sangue
escrita a sangue

pingo

os arbustos inclinam
em emboscadas
o vento se organiza
em coro de condenados
os galhos dramatizam
forcas foices espadas
a árvore se equilibra
em borrões coagulados

pingo

as goteiras trespassando a casa
baionetadas

pingo

o amor sangra a primeira vez
para lembrar:
sempre há de sangrar
sem a gente perceber

pingo

eu te olho, você
me olha, Ana, nos olhos
me cai um pingo no peito
e te sai sangue do colo

pingo

não fique assustada
é sangue, não é nada
somos vítimas vampiros
nas veias da vida
bebe nosso espírito







Domingos Pellegrini






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