quinta-feira, 11 de novembro de 2010


2 poemas de Allen Ginsberg ... (que gosto muito)





Canção




O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação

o peso
o peso que carregamos
é o amor.

Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano -

sai para fora do coração
ardendo de pureza -

pois o fardo da vida
é o amor,

mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.

Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor -
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
- não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contigo
quando negado:

o peso é demasiado
- deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.

Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho -

sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.
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UM SUPERMERCADO NA CALIFÓRNIA



Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman,
enquanto caminhava pelas ruas sob as arvores, com dor de ca-
beça, autoconsciente, olhando a lua cheia.
No meu cansaço faminto, fazendo o Shopping das ima-
gens, entrei no supermercado das frutas de néon sonhando com
tuas enumerações !

Que pêssegos e que penumbras ! Famílias inteiras fazendo
suas compras a noite ! Corredores cheios de maridos ! Esposas
entre os abacates, bebês nos tomates ! - e você, Garcia Lorca,
o que fazia lá, no meio das melancias ?

Eu o vi WW, s/ filhos, velho vagabundo soli-
tário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando olhares
para os garotos da mercearia.
Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles; Quem matou as
costeletas de porco ? Qual o preço das bananas ? Será você meu
Anjo ?

Caminhei entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o
e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja.
Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso
passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos pe-
tiscos gelados e nunca passando pelo caixa.
Aonde vamos, WW ? As portas fecharão em uma
hora. Para quais caminhos aponta tua barba esta noite ?
( Toco teu livro e sonho com nossa odisséia no super-
mercado e sinto-me absurdo.)

Caminharemos a noite toda por solitárias ruas ? As ár-
vores somam sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas, fi-
caremos ambos sós.

Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor,
passando pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando
para nosso silencioso chalé ?

Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário pro-
fessor de coragem, qual América era a sua quando Caronte
parou de impelir sua balsa e Você na margem nevoenta,
olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes ?



Tradução de Cláudio Willer
L&PM editores



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