sábado, 27 de agosto de 2011


Lamentável o acidente hoje com o Bonde de Santa Teresa.

De onde moro vejo a garagem dos Bondinhos, e os que lá estão encostados. Adoro esses Bondes. Além de servirem para passeio dos turistas (um dos cartões postais do Rio- né!!!), são os moradores os principais usuários.

Outra opção de transporte, já que o custo é menos que a metade do ônibus ou van, que também sobem Santa Teresa. Aí como entender que não fazem o mínimo de manutenção? Não só para os bondes mas para todo o sistema que envolve essa relíquia. Abaixo vou colocar uma crônica de Machado de Assis escrito em 15 de março de1877, sobre a inauguração dos Bondes de Santa Teresa.












Inauguraram-se os bonds [bondes, palavra originária do inglês bond] de Santa Teresa, — um sistema de alcatruzes ou de escada de Jacó [escada bíblica que levava ao céu], — uma imagem das coisas deste mundo. Quando um bond sobe, outro desce, não há tempo em caminho para uma pitada de rapé, quando muito, podem dois sujeitos fazer uma barretada [saudação que consiste em tirar da cabeça o barrete].


O pior é se um dia, naquele subir e descer, descer e subir, subirem uns para o céu e outros descerem ao purgatório, ou quando menos ao necrotério.
Escusado é dizer que as diligências viram esta inauguração com um olhar extremamente melancólico.


Alguns burros, afeitos à subida e descida do outeiro, estavam ontem lastimando este novo passo do progresso. Um deles, filósofo, humanitário e ambicioso, murmurava:

— Dizem: les dieux s'en vont [os deuses vão-se embora]. Que ironia! Não; não são os deuses somos nós. Les ânes s'en vont [os asnos vão-se embora], meus colegas, les ânes s'en vont.

E esse interessante quadrúpede olhava para o bond com um olhar cheio de saudade e humilhação. Talvez rememorava a queda lenta do burro, expelido de toda a parte pelo vapor, como o vapor o há de ser pelo balão, e o balão pela eletricidade, a eletricidade por uma força nova, que levará de vez este grande trem do mundo ate à estação terminal.
O que assim não seja... por ora.



Mas inauguraram-se os bonds. Agora é que Santa Teresa vai ficar à moda. O que havia pior, enfadonho a mais não ser, eram as viagens de diligência, nome irônico de todos os veículos desse gênero. A diligência é um meio-termo entre a tartaruga e o boi.


Uma das vantagens dos bonds de Santa Teresa sobre os seus congêneresda cidade, é a impossibilidade da pescaria. A pescaria é a chaga dos outros bonds. Assim, entre o Largo do Machado e a Glória a pescaria é uma verdadeira amolação, cada bond desce a passo lento, a olhar para um e outro lado, a catar um passageiro ao longe. As vezes o passageiro aponta na Praia do Flamengo, o bond, polido e generoso, suspende passo, cochila, toma uma pitada, dá dois dedos de conversa, apanha o passageiro, e segue o fadário até a seguinte esquina onde repete a mesma lengalenga.


Nada disso em Santa Teresa: ali o bond é um verdadeiro leva-e-traz, não se detém a brincar no caminho, como um estudante vadio.


E se depois do que fica dito, não houver uma alma caridosa que diga que eu tenho em Santa Teresa uma casa para alugar-palavra de honra! o mundo está virado.







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