segunda-feira, 5 de outubro de 2009



Parolagem da Vida


Como a vida muda.

Como a vida é muda.

Como a vida é nula.

Como a vida é nada.

Como a vida é tudo.

Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho.

Como a vida é senha

de outra vida nova

que envelhece antes

de romper o novo.

Como a vida é outra

sempre outra, outra

não a que é vivida.

Como a vida é vida

ainda quando morte

esculpida em vida.

Como a vida é forte

em suas algemas.

Como dói a vida

quando tira a veste

de prata celeste.

Como a vida é isto

misturado àquilo.

Como a vida é bela

sendo uma pantera

de garra quebrada.

Como a vida é louca

estúpida, mouca

e no entanto chama

a torrar-se em chama.

Como a vida chora

de saber que é vida

e nunca nunca nunca

leva a sério o homem,

esse lobisomem.

Como a vida ria cada manhã

de seu próprio absurdo

e a cada momento

dá de novo a todos

uma prenda estranha.

Como a vida joga

de paz e de guerra

povoando a terra

de leis e fantasmas.

Como a vida toca

seu gasto realejo

fazendo da valsa

um puro Vivaldi.

Como a vida vale

mais que a própria vida

sempre renascida

em flor e formiga

em seixo rolado

peito desolado

coração amante.

E como se salva

a uma só palavra

escrita no sangue

desde o nascimento:

amor, vidamor!



Carlos Drummond de Andrade




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